domingo, 27 de junho de 2010
Fora dos trilhos
Ele não agüentava mais ficar naquela sala. O sol demorava a baixar e o calor fazia as paredes encolherem, o sufocando. Ele queria sair daquele lugar. Seu paciente das seis horas não chegava, mas o ponteiro do relógio não alcançava a hora que lhe daria a permissão de ir embora. Começou, para afastar a sensação de claustrofobia, a pensar no porquê da escolha daquela profissão. Lembrou-se das visitas que fazia quando criança àquele mesmo consultório em que trabalhava. Ia com sua mãe visitar o trabalho do pai, com a promessa de um sorvete na saída. Em sua memória não conseguia resgatar nenhuma animação ao entrar no consultório de dentista, sentia até certa aversão à idéia de ser dentista. Mas fingia interessar-se para os pais.
Lembrou-se, então, da ida a sorveteria e das conversas que sempre começavam com um “Você vai ser um dentista igual ao pai!”. Por falta de análise e motivação, essas palavras entravam nele, e instalavam-se em sua cabeça até que eram acatadas. Ser um dentista significava estabilidade. Já teria o consultório do pai para trabalhar, a clientela do pai para atender, e um futuro traçado e seguro.
Conseguiu o caminho traçado e seguro. E era exatamente isso que o angustiava. Ele não se satisfazia com a idéia de agüentar o hoje, de suportar o hoje. Não se contentava com a idéia de moderar o presente por causa da segurança de um ser pacato uns anos depois. Ele sentia dentro do peito que seria completo justamente com a instabilidade. A instabilidade que lhe daria a emoção da alegria quando tudo desse certo.Queria sair dos trilhos para descobrir atalhos. Encantava-se com a beleza do encontro inesperado com minutos que se desprenderiam do relógio. Minutos de surpresa, de realização de prêmios não planejados e recompensas inéditas pelo seu trabalho inovador. Queria criar. Criar minutos soltos, onde é possível se ausentar um pouco do chão e encontrar em um caminho longo e estático, um sorriso. Ele não obtinha esses minutos soltos. Os minutos eram grudados no relógio e o tempo só passava na obturação, planejada na agenda da secretária, de uma boca ou na espera de um paciente que não vem.
Olhando atentamente, esperou o ponteiro dar a ultima volta que ratificaria a falta do ultimo paciente para sair do consultório e ir para casa.
Entrou no elevador e começou a relaxar. Acabar mais um dia era um alívio. O relaxamento aprofundou-se. Todas suas preocupações foram lentamente sumindo, suas dúvidas desapareceram aos poucos, suas idéias eram simplesmente apagadas da cabeça. Vivia aquele momento como se não tivesse nenhum futuro para traçar. Ficou simples. Foi escorregando o corpo lentamente contra a parede do elevador, e era como se sentisse menor. Depois não se sentia menor, porque algo lhe dizia que aquele era o seu tamanho real. Foi quando uma mão muito grande tocou na sua, e como uma junção de pequenos pedaços do ar, formou-se uma mulher esguia e gigante atrás dele. Da mulher enorme saiu a frase:
“Vamos tomar o sorvete, filhinho?”
Suas memórias, então, dissolveram-se totalmente. Dentro de sua cabeça infantil somente uma frase vivia, e gritava: Eu não sou um dentista!
Lembrou-se, então, da ida a sorveteria e das conversas que sempre começavam com um “Você vai ser um dentista igual ao pai!”. Por falta de análise e motivação, essas palavras entravam nele, e instalavam-se em sua cabeça até que eram acatadas. Ser um dentista significava estabilidade. Já teria o consultório do pai para trabalhar, a clientela do pai para atender, e um futuro traçado e seguro.
Conseguiu o caminho traçado e seguro. E era exatamente isso que o angustiava. Ele não se satisfazia com a idéia de agüentar o hoje, de suportar o hoje. Não se contentava com a idéia de moderar o presente por causa da segurança de um ser pacato uns anos depois. Ele sentia dentro do peito que seria completo justamente com a instabilidade. A instabilidade que lhe daria a emoção da alegria quando tudo desse certo.Queria sair dos trilhos para descobrir atalhos. Encantava-se com a beleza do encontro inesperado com minutos que se desprenderiam do relógio. Minutos de surpresa, de realização de prêmios não planejados e recompensas inéditas pelo seu trabalho inovador. Queria criar. Criar minutos soltos, onde é possível se ausentar um pouco do chão e encontrar em um caminho longo e estático, um sorriso. Ele não obtinha esses minutos soltos. Os minutos eram grudados no relógio e o tempo só passava na obturação, planejada na agenda da secretária, de uma boca ou na espera de um paciente que não vem.
Olhando atentamente, esperou o ponteiro dar a ultima volta que ratificaria a falta do ultimo paciente para sair do consultório e ir para casa.
Entrou no elevador e começou a relaxar. Acabar mais um dia era um alívio. O relaxamento aprofundou-se. Todas suas preocupações foram lentamente sumindo, suas dúvidas desapareceram aos poucos, suas idéias eram simplesmente apagadas da cabeça. Vivia aquele momento como se não tivesse nenhum futuro para traçar. Ficou simples. Foi escorregando o corpo lentamente contra a parede do elevador, e era como se sentisse menor. Depois não se sentia menor, porque algo lhe dizia que aquele era o seu tamanho real. Foi quando uma mão muito grande tocou na sua, e como uma junção de pequenos pedaços do ar, formou-se uma mulher esguia e gigante atrás dele. Da mulher enorme saiu a frase:
“Vamos tomar o sorvete, filhinho?”
Suas memórias, então, dissolveram-se totalmente. Dentro de sua cabeça infantil somente uma frase vivia, e gritava: Eu não sou um dentista!
quinta-feira, 10 de junho de 2010
Boa noite, pais
Meu lastro foi ter vocês construindo um ninho feito de luz. Conseguiram me indicar sem apontar, com o claro sentido e a pesada liberdade, a porta na qual devo entrar ou em que ponto da mesa devo jogar minha chance. As portas ficam hoje para trás, a luz se enfraquece e está distante no vácuo. Já vejo aproximar-se o dia que sabemos que iria chegar. Vem planando até que rapidamente, apesar de ter demorado tanto, bruscamente apesar de ser previsto, chega. Bate insistentemente em nossa porta, e entra enquanto dormimos. O dia me chama para morar em outro lar.Ele arranca de vocês e joga num susto, em meu colo, o fardo de iluminar o meu próprio turvo sentido do porvir.
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