domingo, 21 de agosto de 2011

O avô

Capítulo I
O velho levantou a taça de vinho com a mão direita e falou bem alto: Um brinde à sorte, que me chamou para ter uma neta! Todos levantaram bem no alto seus copos, expuseram sorrisos e alguém assobiou. Estava com sessenta e dois anos e sempre quis ter uma neta, seu brinde tentou forçar com uma premonição o desejo de um avô até então de netos homens.

Capítulo 2

Quando abaixou a taça sentiu uma pontada no peito. Sentou-se no sofá marrom, botou a mão na dor e tossiu. Quando o velho morreu, o neto estava a duas semanas na barriga da filha. O neto conheceu o avô por escutar as histórias sobre ele. Histórias que não se preocupam com as cercas da verdade, e exalam o orgulho, fortemente protegido pelo ouro parado no passado. Espelhou-se nele, usou seus óculos, escutou seus discos e passou férias em sua casa. Quando alcançou a idade na qual o avô parou, sentiu seu peito doer de saudade do que não teve, e olhou no espelho os herdados olhos azuis acinzentados.

Capítulo 2

Quando abaixou a taça sentiu uma pontada no peito. Sentou-se no sofá marrom, botou a mão na dor, tossiu e melhorou. O neto conheceu seu avô no dia em que nasceu. Escutou as histórias contadas por ele sem acreditar muito em tudo. Pareciam coincidência demais todos aqueles fatos entrelaçados. Histórias meio mal-contadas, só mostrando a coroa da moeda, não a cara. O neto brigou com o avô, criticou seus óculos tortos, odiou seus discos, rejeitou férias em sua casa e não chorou no enterro. Quando alcançou a idade na qual o avô parou, sentiu seu braço direito formigar, sentiu seu peito doer, e viu que herdou mais do que os olhos azuis acinzentados.

Capítulo 2

Quando abaixou a taça sentiu uma pontada na cabeça. Sentou-se no sofá marrom, botou a mão na dor, se acalmou e tomou mais vinho. A neta conheceu seu avô no dia em que nasceu. Escutou suas histórias contadas com entusiasmo e carinho e fez mais histórias pra frente serem contadas pras possíveis bisnetas. A neta amou o avô, construiu uma casa de passarinho, elogiou seus óculos e ajudou a pintar a casa. Quando alcançou a idade na qual o avô se casou não tinha ninguém além do avô, quando alcançou a idade na qual o avô construiu a casa não tinha nada além das fotos do avô, quando alcançou a idade na qual o avô se sentiu completo e feliz se sentia sem ossos pra levantar da cama. Não alcançou a idade na qual o avô parou porque morreu uma semana depois dele.

3 comentários:

  1. a vida é tão bonita que algumas vezes dá um aperto no peito... uma dessas foi agora.

    cada caminho, uma surpresa. gostei muito!
    Amanda

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  2. Sorte, azar, fortuna, acaso, ventura... Destino?

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  3. Que brilho espontâneo de vida e morte, não podia ser mais bonito. Sua caneta é um perigo, camarada; ela tem o pitoresco poder de emocionar tanto numa simples virada de história!

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