domingo, 18 de agosto de 2013

memória de peixe

“por favor, esquente o peixe que vou comer sozinho e entrar no mar daquele saudoso abril. entre as espinhas, a areia quente; pelo sal, a flor; na pele, a pele. comer sozinho é sempre uma forma de lembrar”

o senhor está sentado na mesa de madeira. “o velho é assim, come sozinho”. sempre comeu, desde novo. apesar de nunca ter sido de verdade novo. as empregadas dizem em voz baixa que ele já saiu da mãe com a barba hirsuta e branca. e chorou, molhando os pesados fios. cresceu um garoto enrugado, sentado na mesa de madeira. cada refeição procurando o espaço entre os fios de bigode e os dentes tortos. comer sozinho é sua atividade preferida. grandes pratos em demoradas garfadas. como uma baleia abrindo a boca e deixando a água entrar vagarosa pra comer um peixe pequeno. 

o senhor está sentado na mesa de madeira, mas hoje não vai comer sozinho. essa moça veio, puxou uma cadeira e sentou-se. um peixe pra dois, hoje.

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