sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

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 Meu bem amado,


Podem tentar rabiscar entre os seus bigodes um esboço de sorriso, que entre os dentes ainda vou me mostrar. Podem rabiscar um grande sorriso, que voceˆ vai ver que o sorriso e' meu. Mesmo sorrindo voceˆ me carrga carrega. 
Na˜o escrevo para irritar, peço que mantenha sua tanta calma. Essa carta na˜o e' pessimista. Voceˆ sabe que um dia, nos vinte minutos entre o bobo' de camara˜o e a sesta, eu me ausentarei. Porque e' como voceˆ ja' escutou: A alegria gasta o que eu entesourei.
Carinho da sempre sua,
Tristeza.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

As minhas falas de Joaquim


Jorge Luis Borges conta em seu livro Ficções como o escritor Pierre Menard reescreveu o “Dom Quixote” de Cervantes. Menard não adaptou a história para sua época, também não escreveu de sua própria maneira; ele escreveu novamente o livro sem mudar uma palavra, sem acrescentar uma vírgula. Teve a necessidade de escrever a obra, a partir de suas próprias pulsões. 
Depois de muito, da mesma maneira que Pierre Menard escreveu o “Dom Quixote”, consegui reescrever um trecho do poema “Os tres mal-amados” de João Cabral de Melo Neto:

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. COmeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-x. Comeu meus teste mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelha, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Sua teimosia

Eu tento escrever sobre café, futebol, minha mãe, rua, velhice, morte, cachorro, qualquer coisa, mas cada gota de tinta dessa caneta viciada teima em criar uma metáfora sobre você.

domingo, 2 de setembro de 2012

Te

Esse vento mexe com a tua cabeça.
Te faz acreditar naquilo que não é verdade.

Um dia ele pode parar de bater,
mas temo que antes ele te leve pra longe demais.

Queria poder te chacolhar e te gritar.
Queria poder entrar e jogar a âncora do teu barco.
Te convencer que você não precisa ir pra alto-mar.
Te convencer que você não precisa buscar um peixe dourado.
Dizer: EU SOU TEU PEIXE.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Conjunta

Somos nó de gente que se amarra pela cabeça. Se amarra porque as cabeças são afins. Esses nós se entrelaçam formando um gigante; chama-se Benjamim. Ele passa os dias sentado em uma grande mesa de madeira e costura, a partir de retalhos de ideias, chapéus. Os calça quando sai na rua, sempre com a mão esquerda

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Teresópolis


Estou em Teresópolis, lugar onde passei minhas férias de criança com a companhia serena de meus avós subo a escada que leva à varanda da casa e já consigo ver o rosto de minha avó na janelinha da porta ela me saúda com um aceno de mão esse retrato eu tirei em minha cabeça todas as vezes que voltava para o Rio no fim das férias e me despedia atrapalhado com as malas dessa vez estou chegando e me aproximo de minha velha chego bem perto e seu rosto não está mais na janela coloco o meu rosto e olho para dentro quando abaixo minha cabeça, a vejo, muito pequena vejo que ela não tinha nem altura para colocar o rosto na janela está curvada, com o cabelo todo branco e um rosto com muitas rugas e nenhum sorriso, está triste olho para dentro da casa e vejo novamente minha vó, ainda menor, deitada em uma cama com o corpo todo enrugado ela tem o cabelo grisalho, mais cinza e seus olhos parecem cansados atrás dela, uma terceira dela, minúscula e amassada, imóvel como uma estátua de pedra, com o cabelo todo cinza, sem brilho e com a boca escancarada, fitando o teto aquelas imagem me incomodam muito e eu saio da varanda, acho que vou embora, mas dou a volta no jardim subo pela outra escada e entro na cozinha vou como uma criança corre em casa até o quarto onde dormia e entro apressado no meio dele, uma corda pendurada no teto e atrás dela, minha avó corro até ela e dou um forte abraço ela está com o seu tamanho normal, batendo no meu queixo seus cabelos negros e bem penteados me afasto minha avó não tinha o cabelo tão negro pergunto “a senhora pintou o cabelo?” me diz que não e vira o rosto, olhando para o fundo do quarto lá estava meu avô, forte e grande ele vai até a minha avó e a abraça me olha e dá um pequeno sorriso com os braços na minha avó, diz “Vamos, Maria” os dois então, começam a subir muito rapidamente a corda até que chegam ao teto e somem corro para os alcançar, mas a corda sobe muito depressa atrás deles e eu não consigo alcançar sinto que nunca mais os verei tristeza a porta se abre, e minha irmã entra por ela trazendo um bebê em seu colo entra meu querido tio, que me introduziu a pintura minha madrinha, fiel companheira nos momentos ruins meu primo com a camisa do Fluminense meu melhor amigo entra pela porta eu vejo que há algo errado Marcelo nunca tinha ido naquela casa, eu não o conhecia quando frequentava aquela casa ele não pode estar ali com a minha família estou sonhando estou sonhando posso querer o que quiser nesse sonho, eu posso escolher ser o que quiser, posso criar meu mundo, ter qualquer coisa o que homens querem? abro a porta do quarto, na mesinha do corredor está um anel de ouro entro de volta para o quarto e dou o anel para meu cunhado que está com a minha irmã ele o coloca no dedo dela e os dois sorriem sinto que estou perdendo o sonho, que posso não conseguir controlar mais grito, alto, subo na mesa e ganho novamente o controle agora sim o que posso querer? lembro de meus avós no telhado e quero os encontrar desesperadamente começo a movimentar meus braços para cima e para baixo, mais forte, mais rápido, não consigo nem mais ver meu braços quando começo a subir, pairo no ar batendo os braços e saio pela janela saio voando o mesmo céu azul de minhas férias, o ganho e sinto o calor do sol lembro mais uma vez de meus avós, me viro e lá embaixo, bem pequenos em cima do telhado, estão os dois abraçados e sorriem.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

O barco não está vindo para o cais







Em qualquer mar existe um horizonte pelo qual o barco passa e não conseguimos mais o ver.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Do que resta

eu
não
creio
que minha
serenidade 
seja falta
de
p
a
i
x
ã
o
.



o fogo em cima dos fósforos dura muito pouco e apaga.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Meus ratos



Tenho ratos que dormem em meu quarto.
Eles querem subir em minha cama.
Tenho ratos soltos criança e cinzas medo.
Eles querem morder e arrancar minha boca.
Se consigo correr e fugir de casa,
os ratos me seguem para fora de casa.
Os ratos atravessam ruas comigo e tropeçam em meus pés.
Tenho ratos feios pavor e sujos sangue. 
“Os ratos não sabem morrer na calçada.”
Tenho ratos e tenho meus amigos.
Eu não, mas esses são capazes de, aos berros, espantar aqueles.

domingo, 27 de maio de 2012

Pra um

Não é fácil transformar um sonho pra dois em um sonho pra um.
Transborda pela falta de espaço
e um sonho sem espaço, não é.
Sonho sem espaço é aperto, frustra.
Lustro e enxugo o sonho
pra ver se enxuto, assim, pra um, cabe.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Eu não me esqueceria de Maria Flor

Sua tristeza não me cria unhas nem dentes.
Seu desespero disfarçado de serenidade não me faz decidir por aqui.
Há espaço para mim, mas fora dessa porta.

A claridade de nossa casa nada tem a ver com o vaso de flor, não apele.
Flor crescerá se o vaso se quebrar.
A terra embaixo dela se espalhará até o sol da janela.

De qualquer maneira, em nossas casas, haverá claridade, Maria, flor e terra.

sábado, 5 de maio de 2012

Maria Flor

Eu sei.
Parece não haver mais lugar.
Nós, metades do vaso em cima da mesa, parecemos não crescer mais.
Mas,
Pela claridade da nossa casa, por favor
Não deixe quebrar o vaso
Que resguarda a única flor. Essa crescerá.

Agarre-me como se tivesse unhas e dentes
Mesmo que o desenho colorido esteja para o outro lado e a pintura não encaixe,
Não largue.

domingo, 15 de abril de 2012

DOQUEESENTIDO

De tudo que vivo pensando em ti só;
do que é com ti, som.
do que é sem ti, dó.

sábado, 10 de março de 2012

Brando

É estar tão perto, parecer evidente, que até nos esquecemos de dizer. Não que esteja tudo cinza, mas tudo colorido, principalmente de verde, que parece não ter mais espaço para pintar. A graça é essa. De tempos em tempos, como em sessões de psicanálise ou em finais de chás, vem à tona o grande elefante que está na garganta. E ele sai, rabiscando papéis e preenchendo telas antes em branco. Elefante grande, gordo e calmo. Elefante-serenidade, às vezes confundido, mas que não deve ser chamado de falta de paixão.