terça-feira, 10 de novembro de 2015

quando todos acidentes acontecem

as duas foram embora no furgão assim que o sol nasceu uma precisava estar na cidade para trabalhar de manhã três permaneceram na casa, dançando as últimas músicas da gigante playlist feita para a festa na antiga senzala o casal foi deitar muito bêbado num dos quartos do enorme casarão enquanto dirigia, uma beijou a outra no banco da carona um beijo grande e de olhos fechados sem ver a estrada, o carro não acompanhou a curva um dos três dançava de olhos fechados uma música triste e carregada quando tropeçou no fio de energia da caixa de som interrompendo a música abruptamente assim que tirou a roupa dele pôs o pau dele dentro dela e fechou os olhos sem lembrar dos anticonceptivos com coragem, foram de encontro à árvore, ao silêncio e ao futuro.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

não mudaria nada

repetem as mesmas frases até que soem precisas. controlam a respiração, o suor e os batimentos. instrumentos afinados no mesmo tom assoviam e fecham as cortinas, em uma escuridão que acaba com os limites dos corpos. cultivam a imagem escurecida como monumentos estáticos, inofensivos e perfeitos.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

los animales

vivem tão atentos depois do acidente que perderam a capacidade de se precipitar nos dias de semana. como se finalmente tivessem se dado conta, porque agora aconteceu com um deles, de que todo mundo vai morrer. esperam animados pela sexta e abraçam-se num sentimento vago e terno, num desespero selvagem e doce. abraços tão raros entre os outros jovens, que parece faltar alguém, mesmo no abraço de duas pessoas, parece faltar alguém. se espremem na área de fumantes, tentando impedir um buraco. o ambiente é mais leve na fumaça e no barulho do que no silêncio da praia quatro quadras pra lá. problemas no trabalho não os deprimem mais; estão todos fodidos. se pelo menos soubessem quando vão morrer podiam fazer as contas, mas 
 
-você fez tatuagens novas?
-não. ainda não tenho o que tatuar. queria fazer um bicho, mas não sei qual. pensei num cavalo. 
-tem aquele cavalo do início do cinema, sabe? 
–o quê? 
-que o cara queria provar que quando o cavalo corria ele tirava as quatro patas do chão.
–ah, sei. na verdade ele não tava querendo provar. 
–como assim? 
-ele tá só estudando 
–você tá falando muito baixo, vamo lá pra fora.
(tempo) 
–ele tava estudando o movimento dos cavalos, aí tirou várias fotos seguidas e numa das fotos o cavalo tava com as quatro patas no ar. 
–ah, ele descobriu sem querer? 
–é. isso das patas e o começo do cinema. 
–foda.
(tempo) 
–todo mundo achava que o cavalo corria de um jeito, e o cara sem querer descobriu que todo mundo tava errado, até ele. 
–e o cinema.
(ri) 
(tempo)
–los animales 
–o que? 
–los animales 
–não entendi, cara 
–essa música. chama los animales, não é você que gosta do michiel Huisman? 
–ah, não. na verdade quem gosta é o eduardo. gostava. 
–acho que eu vi uma foto de vocês lá. 
-eu fui pra acompanhar só, não ouço tanto. 
(tempo) 
–eu queria me aposentar. 
(ri) 
–eu também.


entram.

quarta-feira, 11 de março de 2015

guará

dia branco céu leite parado um pássaro vermelho vibrante nada e atravessa o sol apagado rasgando o véu e fazendo chover o teto de nosso escritório é de zinco e não segura a chuva branca buracos no teto e a casa inunda e vamos todos afogar meu socorro é lembrar que sonhamos e voamos vermelhos vibrantes no dia branco céu leite parado.

foto de Ricardo Guerreiro

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

a contagem dos anos dos cachorros pelos nossos anos

uma frase do miguel gomes assovia. sob o manto polido da amabilidade, escondia um desespero selvagem. é difícil saber quando começa um sorriso e quando termina, a diferença é tão pequena e frágil que não pode ter cor. a quarta feira de cinzas não sabe o quanto está cansada, de ressaca ou triste. o frio caminha por debaixo da terra, de coração apertado e pronto pra subir. sei que esse texto é confuso, mas o que eu quero dizer é que eu te amo.