sexta-feira, 8 de maio de 2015

los animales

vivem tão atentos depois do acidente que perderam a capacidade de se precipitar nos dias de semana. como se finalmente tivessem se dado conta, porque agora aconteceu com um deles, de que todo mundo vai morrer. esperam animados pela sexta e abraçam-se num sentimento vago e terno, num desespero selvagem e doce. abraços tão raros entre os outros jovens, que parece faltar alguém, mesmo no abraço de duas pessoas, parece faltar alguém. se espremem na área de fumantes, tentando impedir um buraco. o ambiente é mais leve na fumaça e no barulho do que no silêncio da praia quatro quadras pra lá. problemas no trabalho não os deprimem mais; estão todos fodidos. se pelo menos soubessem quando vão morrer podiam fazer as contas, mas 
 
-você fez tatuagens novas?
-não. ainda não tenho o que tatuar. queria fazer um bicho, mas não sei qual. pensei num cavalo. 
-tem aquele cavalo do início do cinema, sabe? 
–o quê? 
-que o cara queria provar que quando o cavalo corria ele tirava as quatro patas do chão.
–ah, sei. na verdade ele não tava querendo provar. 
–como assim? 
-ele tá só estudando 
–você tá falando muito baixo, vamo lá pra fora.
(tempo) 
–ele tava estudando o movimento dos cavalos, aí tirou várias fotos seguidas e numa das fotos o cavalo tava com as quatro patas no ar. 
–ah, ele descobriu sem querer? 
–é. isso das patas e o começo do cinema. 
–foda.
(tempo) 
–todo mundo achava que o cavalo corria de um jeito, e o cara sem querer descobriu que todo mundo tava errado, até ele. 
–e o cinema.
(ri) 
(tempo)
–los animales 
–o que? 
–los animales 
–não entendi, cara 
–essa música. chama los animales, não é você que gosta do michiel Huisman? 
–ah, não. na verdade quem gosta é o eduardo. gostava. 
–acho que eu vi uma foto de vocês lá. 
-eu fui pra acompanhar só, não ouço tanto. 
(tempo) 
–eu queria me aposentar. 
(ri) 
–eu também.


entram.

Nenhum comentário:

Postar um comentário